14.5.07

elogio do silêncio

Silêncio. O contrário do ruído.
Hoje em dia mergulhamos em ruído desde que nos levantamos até que nos deitamos.
Quando pensamos em ruído, facilmente pensamos no ruído auditivo, mas pode também ser visual. É lógico admitir que trabalhar na área do design nos traz todos os dias confrontos com ruídos, uma vez que para chegarmos a uma melodia, é necessário arranhar algumas notas primeiro, o que no processo empírico de design se traduz em tentativa/erro. A procura da forma, da cor, da letra certa. O objectivo é o equilíbrio: fazer com que todos os elementos da orquestra executem a sonata da melhor forma possível. O problema é quando convivem várias orquestras, e os músicos não sabem que partituras seguir, e quando se cruzam e entram em confronto, o resultado só pode ser ruído. Falo do excesso. Demasiadas forças a competir entre si, saber quem grita mais alto e melhor. E quem sofre com isso?...
Isto parece um pouco contraditório, vindo de alguém que participa activamente na criação dessas forças; mas então, como batalhar ou viver com isso? Aprendendo as melodias certas, evitando os desgarranços e os excessos, criando os contextos certos. É muito mais fácil encontrar uma ervilha no meio do arroz, do que um bago específico, não? Refiro-me à neutralidade, à criação de um ambiente que permita ouvir-se o que se tem a dizer, ou seja, antes do espectáculo, vem o silêncio.
Isto tem um modo prático de ser aplicado, e tem muitas vantagens. Consideremos um logótipo: um logótipo não é uma ilustração e não nos devemos esquecer do poder de síntese que ele deve encerrar. Mais uma vez invoco a premissa de quanto mais se quer dizer, menos se diz. A forma deve ser depurada, ter o menor número de elementos possível (seja forma ou cor) e ser conciso.
No extremo do contraste, o preto e o branco são a simbiose perfeita entre contexto e conteúdo. É graças ao silêncio do branco que se ouve o preto a tocar, ou vice-versa, e basta seguir um pouco essa conduta para conseguir uma comunicação eficaz.
Faço assim um elogio ao silêncio, à neutralidade. Todos nós andamos cheios de imagens, sons e cheiros em excesso e precisamos equilibrar as coisas, e não é por isso que perdemos a nossa humanidade. É impressionante a capacidade que temos de imaginar e raciocinar a partir de uma coisa tão pequena, como um ponto, por exemplo. Por vezes basta darmos uma peça a uma pessoa, que ela construirá o resto. Não é preciso darmos de “bandeja” tudo. É mais gratificante encontrar uma solução pessoal, do que nos dizer algo que já depreendemos à partida.
Venha o silêncio, para podermos pensar!

25.4.07

a mancha


Quando no nosso ramo se fala de mancha, acaba por ser um termo lato, aplicável nos mais variados contextos. No entanto, o mais vulgar é referirmo-nos ao peso visual das formas a nível de contrastes, forças cromáticas ou conflitos de forma/fundo. Falamos de equilíbrios de convivência, direcções da atenção, hierarquias dos elementos, intensidades. Pessoalmente, e de uma forma menos óbvia talvez, deparo-me muitas vezes com a mancha tipográfica. A força cromática que um texto possui, segundo a sua composição e formatação, níveis e natureza de informação. Trabalho, na maioria das vezes, numa escala de cinzas: do mais preto para o menos preto. Para entendermos isto, e como exemplo prático, basta abrir um jornal: as grandes e negras letras são o chamariz para incitar à leitura do texto, e normalmente têm uma escala muito superior à do texto corrido. Os subtítulos terão outra escala e descem na hierarquia da informação, logo serão “mais pequenos”. O texto deve assumir uma forma regular mais equilibrada, porque vai exigir mais atenção, concentração e encadeamento de ideias. É necessário, portanto, que este seja discreto, simples, o mais legível possível. É um trabalho complexo que exige uma manipulação de elementos microscópicos, que a nível do seu todo deve contribuir para a veiculação da mensagem, para melhor respeitar o seu conteúdo.
Uma experiência curiosa é a de desfocar a visão, até deixarmos de ver letras, palavras, para vermos manchas horizontais. Começamos a reparar noutras variáveis que nos passariam despercebidas, e deparamo-nos com a construção de rectângulos, quadrados, formas geométricas que quase conseguimos contornar. Mas isso é um exercício cognitivo: juntamos as peças com o objectivo nos parecerem harmoniosas e conhecidas, para um reconhecimento e interpretação mais rápidos. Nós lemos as palavras por mancha e não l e t r a a l e t r a , e é por essa razão que os erros ortográficos nos escapam. Habituamo-nos a ver os pequenos rectângulos que as palavras produzem. O interessante é que essa percepção se propaga: uma letra transforma-se num pequeno rectângulo, uma palavra num rectângulo mais comprido, uma frase num outro ainda mais comprido.
Numa fase seguinte começamos a ver rectângulos compridos sobrepostos, como numa camisola às riscas. Quando o texto se compõe, os rectângulos evoluem para uma escala muito superior, e crescem na vertical, formando colunas. São esses elementos pseudogeométricos que agora competem no espaço – os seus pesos visuais têm agora de ser balançados, hierarquizados.
As escalas e as espessuras dos traços, que desenham os diferentes tipos e categorias de letra, produzem aquilo que se chama a cor tipográfica, a tal escala de cinzas referida anteriormente. Convive-se assim com um jogo de elementos macroscópicos, com manchas de cor com diferentes pesos de negro que agora precisam relacionar-se num mesmo plano.
É um trabalho muito complexo, mas que não aparenta ser, à primeira vista. Spiekermann já dizia que por alguma razão “alguns jornais são mais agradáveis de ler do que outros”. Não sabemos exactamente porquê, mas simplesmente nos parece ser mais apetecível, mais fácil de ler, ou mais leve.
O mesmo texto, as mesmas palavras e conteúdos poderão ter uma aparência extremamente diferente quando formatados de forma distinta, o que influencia a percepção que temos da informação a ler e, consequentemente, a vontade que temos de a ler. Não é difícil pensar que a vontade de ler influencia a velocidade a que se lê.
A formatação de um texto funciona como a textura da pele de um tubarão. As características microscópicas do revestimento da sua pele fazem com que ele seja dos animais que mais rápido se movimenta dentro de água. Pois bem, uma má textura na pele de um texto, fará com o texto demore muito tempo para ser lido, pelas dificuldades visuais que apresenta desencorajando o leitor a continuar – o que é comprometedor para o objectivo do texto: ser lido e comunicar.

4.4.07

"linhas" de pensamento

Um professor meu uma vez afirmou que a linha não existe. É algo de racional, inventado pelo Homem, e que descreve contornos que enclausuram formas. A linha, segundo esta óptica, não existe na Natureza, não é real, palpável. Não é difícil reconhecer isto, se pensarmos nos conceitos da geometria. Se um ponto não tem dimensão, e a soma de pontos é uma recta, então a recta não tem dimensão, e não é a rugosa e irregular grafite que tem poder para lhe atribuir uma dimensão mensurável.
A linha, assim, é a racionalização das delimitações das formas. Se olharmos e preenchermos a área que a linha delimita, obteremos uma mancha.